quinta-feira, 24 de julho de 2014

O dia em que todas as frases foram ditas.

E um dia todas as frases foram ditas e escritas. A princípio ninguém foi ligando muito, mais ou menos como na crise da água em 2014. Todo mundo foi achando que algo divino fosse acontecer ou algum político fosse resolver. “Isso não é importante”, alguns diziam e continuavam a gastar as frases como se não houvesse amanhã.

E o amanhã chegou, realmente como se não houvesse coisa parecida. Os namorados já não conseguiam fazer declarações criativas, muito menos cartões de dia dos namorados que elas não tivessem já visto. As mães já não conseguiam dar bronca nos filhos, muito menos impressioná-los com castigos pois de tudo já tinham ouvido. Os políticos já não conseguiam impressionar ninguém com seus discursos e promessas, pois os eleitores cansaram de ouvir essa ladainha. As piadas ficaram sem graça e as séries de televisão e filmes se tornaram apenas repetições.

As pessoas se estão mais irritadiças por não conseguirem se expressar sem soarem repetitivas, ficam muito entediadas e tentam fazer justiça com as próprias mãos, religiosos se unem nas repetidas orações acusando esse momento de ser o arrebatamento. Os estudiosos tentam entender como fazer para solucionar o problema, porém acabam sempre terminando com as mesmas teorias, enquanto outras pessoas vão para as ruas protestar e ninguém dá atenção alguma pois as reivindicações soam todas iguais, a polícia age violentamente para reprimir a todos. Não é um lugar seguro para as crianças.

Os livros foram terminantemente proibidos, são as novas drogas dessa nossa década. Caçada por políticos, polícia e religião que tentam propagar a ideia de que eles são a causa de todo mal que há nesse mundo. As bibliotecas foram todas queimadas, os principais revendedores dessas drogas são geralmente ex-funcionários das editoras que percebendo o que ia acontecer juntaram pilhas de diferentes livros e esconderam e estocaram em algum lugar. A taxa de suicídio aumentou muito principalmente entre escritores que após tentarem escrever algo diferente ou novo acabam repetindo as mesmas histórias. Alguns acabam morrendo de exaustão na tentativa de escrever algo novo enquanto outros preferem ver a morte chegar lendo algum livro em uma overdose de conhecimento, lirismo e sorriso no rosto.

É por isso que eu estou escrevendo essa carta, acabei de revender alguns dos últimos exemplares que eu tinha na minha caixa, para uma mãe e seu filho (não me julguem, eu acho que o que fiz foi certo), espero que façam bom uso. Restou apenas um livro, ainda não sei qual é. Primeiro preciso terminar essa carta, não faço ideia de como ela vai chegar até vocês no passado, mas espero que ela chegue. E espero que vocês entendam a importância das palavras, sejam elas ditas ou escritas.

PS: Não vou assinar a carta, pois provavelmente vocês receberão outras iguais.



PS 2: O livro que está na minha caixa é Sagarana, eu nunca li. Então podem ter certeza que será um fim feliz.