E um dia todas as frases foram ditas e escritas. A princípio
ninguém foi ligando muito, mais ou menos como na crise da água em 2014. Todo
mundo foi achando que algo divino fosse acontecer ou algum político fosse resolver.
“Isso não é importante”, alguns diziam e continuavam a gastar as frases como se
não houvesse amanhã.
E o amanhã chegou, realmente como se não houvesse coisa parecida.
Os namorados já não conseguiam fazer declarações criativas, muito menos cartões
de dia dos namorados que elas não tivessem já visto. As mães já não conseguiam
dar bronca nos filhos, muito menos impressioná-los com castigos pois de tudo já
tinham ouvido. Os políticos já não conseguiam impressionar ninguém com seus
discursos e promessas, pois os eleitores cansaram de ouvir essa ladainha. As
piadas ficaram sem graça e as séries de televisão e filmes se tornaram apenas
repetições.
As pessoas se estão mais irritadiças por não conseguirem se
expressar sem soarem repetitivas, ficam muito entediadas e tentam fazer justiça
com as próprias mãos, religiosos se unem nas repetidas orações acusando esse
momento de ser o arrebatamento. Os estudiosos tentam entender como fazer
para solucionar o problema, porém acabam sempre terminando com as mesmas
teorias, enquanto outras pessoas vão para as ruas protestar e ninguém dá
atenção alguma pois as reivindicações soam todas iguais, a polícia age
violentamente para reprimir a todos. Não é um lugar seguro para as crianças.
Os livros foram terminantemente proibidos, são as novas drogas
dessa nossa década. Caçada por políticos, polícia e religião que tentam
propagar a ideia de que eles são a causa de todo mal que há nesse mundo. As
bibliotecas foram todas queimadas, os principais revendedores dessas drogas são
geralmente ex-funcionários das editoras que percebendo o que ia acontecer
juntaram pilhas de diferentes livros e esconderam e estocaram em algum lugar. A
taxa de suicídio aumentou muito principalmente entre escritores que após
tentarem escrever algo diferente ou novo acabam repetindo as mesmas histórias.
Alguns acabam morrendo de exaustão na tentativa de escrever algo novo enquanto
outros preferem ver a morte chegar lendo algum livro em uma overdose de
conhecimento, lirismo e sorriso no rosto.
É por isso que eu estou escrevendo essa carta, acabei de revender
alguns dos últimos exemplares que eu tinha na minha caixa, para uma mãe e seu
filho (não me julguem, eu acho que o que fiz foi certo), espero que façam bom
uso. Restou apenas um livro, ainda não sei qual é. Primeiro preciso terminar
essa carta, não faço ideia de como ela vai chegar até vocês no passado, mas
espero que ela chegue. E espero que vocês entendam a importância das palavras,
sejam elas ditas ou escritas.
PS: Não vou assinar a carta, pois provavelmente vocês receberão
outras iguais.
PS 2: O livro que está na minha caixa é Sagarana, eu nunca li.
Então podem ter certeza que será um fim feliz.
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